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26 de Abril de 2024

A autonomia do paciente adulto e capaz na ordem jurídica constitucional e infraconstitucional

há 5 anos

A controvérsia sobre o direito de o paciente recusar um determinado tratamento médico, mais especificamente uma transfusão de sangue, com base em sua convicção religiosa, foi tema de audiência pública convocada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, nos dias 17, 18 e 19 de setembro, no IAC nº 0020701-43.2017.8.0048.

Do que foi apresentado, alguns apontamentos podem servir de norte para um adequado e jurídico posicionamento sobre o tema.

Os que pensam ser cabível a transfusão forçada, sustentam seu entendimento basicamente no respeito ao constitucionalmente protegido direito à vida, que, segundo argumentam, se sobrepõe a todos os outros direitos. No plano infraconstitucional, apontam para o Código de Ética Médica, que determina ao médico respeitar as convicções do paciente, salvo em caso iminente perigo de vida.

Aqueles que, ao contrário, defendem que o paciente não pode ser obrigado a se submeter a um tratamento invasivo sem seu consentimento, arguem que o preceito constitucional do direito à vida não pode ser utilizado para impor determinada conduta ao próprio detentor do direito, até porque seria estranho obrigar alguém a exercer um direito.

Em tempos de eleição, talvez se possa pensar, por analogia, no direito ao voto. Em uma democracia plena, ninguém pode ser privado dele a não ser nas restritas hipóteses legais (estar preso pelo cometimento de um crime, por exemplo). Não se imagina, porém, que alguém possa ser obrigado a exercer seu direito a voto, como se fosse possível, com o uso da coação física, levá-lo ao local votação e obriga-lo a teclar em uma das opções da urna eletrônica. Não, porque é um direito. O não exercício pode até ter suas consequências – necessidade de justificação, multa etc – mas obrigar uma pessoa a exercer seu direito não faz sentido, juridicamente falando.

Logicamente, o Estado deve zelar pela integridade mental e física dos cidadãos. Mas também deve respeitar quando estes, estando no pleno gozo de sua capacidade civil, tomam decisões que dizem respeito à sua pessoa, no estrito âmbito de sua vida privada.

Este entendimento encontra guarida não somente na Constituição vigente (arts. 1º, III e 5º, II) , segundo reconhece expressiva parte da doutrina mais autorizada, como também em pactos de direitos humanos aos quais o Brasil aderiu (Pacto de S José da Costa Rica, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, dentre outros) e, ainda, na legislação infraconstitucional, com destaque, neste último caso, para o Código Civil que, em seu art. 15, preconiza que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

Nas palavras de CELSO BASTOS: “como não há lei obrigando o médico a fazer a transfusão de sangue no paciente, todos aqueles que sejam adeptos da religião das “Testemunhas de Jeová”, e que se encontrarem nesta situação, certamente poderão recusar-se a receber o referido tratamento, não podendo, por vontade médica, serem constrangidos a sofrer determinada intervenção. O seu consentimento, nesta hipótese, é fundamental”. [1]

É a substituição do paternalismo médico pela autonomia do paciente, conforme ensina o Min. ROBERTO BARROSO em parecer sobre o tema. [2]

Trata-se de controvérsia antiga, mas ainda acesa, cuja decisão, em cada caso concreto, não pode ficar ao sabor das convicções e percepções pessoais de cada julgador. A ordem jurídica impõe que se observe neste caso, como em todos os outros, os ditames constitucionais e legais.


[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Disponível em: http:// www.academia.edu/23683434/CELSO_RIBEIRO_BASTOS._Direito_de_recusa_de_pacientes_submetidosa_tratament.... Consultada em 28.07.2018

[2] BARROSO, R. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://www.conjur.com. br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf&ved=2ahUKEwjh7ZvPjb3bAhVSrFMKHbZ1BTcQF jAAegQIBxAB&usg=AOvVaw31v4pedmC0AUEACYSqtx_T. Consultado em 31.07.2018.

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